Direito de Família na Mídia
Ação de separação vira denúncia de crime financeiro
05/08/2007 Fonte: Consultor JurídicoOs oniscientes olhos da Receita, no ano fiscal de 2004, leram uma declaração de renda atestando que um empresário de roupas populares tinha uma renda mensal de R$ 14 mil. Mas um litígio matrimonial trouxe à tona outros valores: ele manteria no exterior, remetida de maneira não legal, uma fortuna de US$ 150 milhões. E mais: a hoje mais famosa família de doleiros das elites brasileiras, os Matalon, seriam os remetentes das somas para fora.
Nos próximos dias a ex-mulher do empresário, munida de quilos de documentos, presta declaração ao MPF em São Paulo. Aceita depor em sistema de delação premiada. Como recebeu US$ 200 mil do ex-marido no exterior, suas denúncias poderão atingí-la também. Suas declarações revelarão como funcionam esquemas de remessas ilegais de dólares, ao exterior, jamais prescrutadas pela PF, pelo MPF e pelo Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras).
A documentação brotou de uma ação de separação, tocada em uma Vara de Família e Sucessões, em que o segredo de Justiça é natural, razão pela qual a revista Consultor Jurídico omite os nomes dos protagonistas. "Quero depor ao MPF para que me levem ao Coaf. No processo de separação um juiz e uma juíza de duas Varas de Família, ao verem os documentos, prometeram levá-los às autoridades federais e não o fizeram", diz a ex-mulher do empresário.
O empresário fez fortuna com uma rede de lojas, no bairro do Brás, especializadas em roupas populares, uma parte expressiva delas importada da China. Há dois anos deu início a uma partilha de bens decorrente do final do casamento. Em junho de 2005, no arrolamento de bens, o empresário teve seu sigilo bancário quebrado nos EUA e os extratos bancários remetidos ao Brasil, por ordem judicial. Também houve o congelamento de 50% de suas contas bancárias, mantidas em nome das offshores Starkman, Finvestors, Proterra e Doll, e registradas nos bancos HSBC e Lehman Brothers, em Miami, EUA.
Diz a ex-mulher que, quando a Justiça começou a receber a papelada, teria ocorrido uma movimentação de mascaramento de contas, com a imediata criação de outra offshore, na Suíça, batizada de Nixus International Company Limited e uma conta no banco HBS, de Hamburgo.
Documentos atestam que, de uma penada só, a soma de US$ 8 milhões foi transferida dos bancos HSBC e Lehman Brothers, de Miami, para o HSBC de Guernsey, na costa da Normandia. Algo que não encaixa na história de quem paga por ano menos de R$ 100 ao Fisco, diz a ex-mulher. "Quero que o MPF me abra as portas no Coaf, só isso que eu quero, coisa que a justiça de famílias não fez", declara ela. A papelada revela que o empresário pagou ao Fisco, em 2002, a soma de R$ 60,52 e, em 2004, o valor de R$ 86,03.
No dossiê que entrega ao MPF na próxima semana, a ex-mulher nomeia como responsáveis pelas remessas três famílias de doleiros: os Matalon, os Dayan, e os Kulikwsky.
Em dezembro de 2005 os Matalon ganharam as manchetes dos jornais: a Força Tarefa CC-5 do Ministério Público Federal (MPF) denunciou seis pessoas na Operação Zero Absoluto. Os denunciados foram acusados de lavagem de dinheiro, evasão de divisas, gestão fraudulenta, falsidade ideológica e formação de quadrilha. Entre eles estavam Roberto Matalon, Patrícia Matalon Peres, Marco Matalon e Ezra Matalon . Segundo o MPF, eles estavam ligados à empresa de turismo Stream-Tour, do Rio de Janeiro, mas operavam também em São Paulo.
A Operação Zero Absoluto teve como objetivo o "congelamento" do dinheiro enviado ilegalmente para contas no exterior, e é fruto de uma investigação conjunta do MPF e da Polícia Federal, com o apoio do Departamento de Segurança Interno (DHS) de Newark e a Procuradoria dos Estados Unidos.
"Não quero o mal de ninguém: só quero mostrar como funciona o esquema das coisas, nesse país em que todo mundo só olha para Renan Calheiros e acha que ele é a encarnação de todo o mal", diz a denunciante.